" O futebol não é uma questão de vida ou morte. É muito mais do que isso...", Bill Shankly




domingo, 26 de dezembro de 2010

Zico para sempre

foto: Globoesporte.com


Que me perdoem aqueles que gostariam de ler sobre a unificação dos títulos brasileiros - sobre a qual sou contra. Ou sobre as perspectivas que envolvem uma das mais promissoras seleções de base da história.Peço desculpas, também, aos que queriam ler sobre as contratações dos times brasileiros, os campeonatos europeus e os boatos que cercam o fim de ano. Hoje, não.

Neste domingo só há tempo, espaço e inspiração para Arthur Antunes Coimbra. Não que seja necessário um dia especial para falar sobre um dos maiores ídolos do esporte nacional. Pelo contrário, pois, na verdade, todo dia deveríamos falar de Zico. De Pelé. De Garrincha. De deuses que não levam a primeira letra em maiúsculo por motivos religiosos. E só. De gênios que marcaram seus nomes na história, e gravaram seus lances épicos na memória de qualquer torcedor. De qualquer um que tenha os visto, ouvido.

Num domingo sem muito futebol, Zico fez questão de entreter milhões de brasileiros. Não só os presentes no Engenhão, mas todos que assistiram pela televisão, ou ouviram no rádio, na internet, mais uma versão do Jogo das Estrelas, anual no Rio de Janeiro no mês de dezembro. Desde 2004, Zico realiza esse amistoso festivo que reune diversos craques, artistas e torcedores de todos os times. Ao final de todo ano, o Galinho de Quintino convida amigos e ex-companheiros para celebrar da forma que mais condiz com sua pessoa: jogando futebol.

No entanto, o de 2011 foi especial. Diferente. Não era para Zico jogar. Recém-operado, a recomendação do médico era de repouso.O brilho da festa ficou comprometido. O dono do espetáculo era dúvida para mais uma partida em sua brilhante carreira. Não havia, contudo, como resistir. Não era uma simples partida. Era a tradicional pelada de fim de ano. Rever os amigos, os fãs, olhar para os filhos uniformizados, para os ex-companheiros. E para ela. A bola, sua fiel escudeira, eterna companheira na arte de jogar futebol. A tentação venceu a razão, obviamente. E Zico calçou as chuteiras e subiu as escadarias do Engenhão com o mesmo sorriso que tinha no rosto há anos atrás.

Como se estivesse adentrando e pisando o gramado do Maracanã para mais um clássico dos anos 80, naquele Flamengo inesquecível, ao lado de craques e amigos do porte de Júnior, Adílio, Leandro, Andrade. E estava. Não no Maior do Mundo, mas com seus amigos. E eternos craques. Sorrindo como um galinho. Ansioso para pegar a bola e arrancar pela intermediária, driblando defensores, antes de concluir de forma magistral. E ser ovacionado por um mar de gente como sempre foi. Como neste domingo, apesar de apenas 23 mil pessoas presentes. "Ei, ei, ei o Zico é nosso rei." Quem já foi rei, nunca perde a majestade. A máxima é detalhista, e resume bem a história de Zico.

Com mais de meio século de vida e glórias, Zico não pôde fazer arrancadas como as que o agigantavam em qualquer canto do mundo no seu auge. Com o ombro imobilizado, não pôde, por exemplo, disputar bolas de forma mais ríspida, com com a raça que condiz com o clube que o endeusa e o eterniza. Com mais de 30 anos de experiência, ele sabe a hora certa de dar um pique, de reter a bola em seus pés, como se estivesse colada a eles. Como sempre esteve. Magicamente. Aos 57 anos, o maior jogador da história do Flamengo sabe que seu corpo não responde mais da mesma forma quando tinha 20, 30 anos. É normal. Seria assim com qualquer ser humano.

Todos os seus fãs, presentes ou não no Engenhão vazio deste domingo pós-Natal, sabiam disso. Esperavam isso. Só não esperavam que ele fosse entrar com uma tipóia em campo, com os braços presos dentro da camisa, imobilizados. Arriscado. Surpreendente. Heroico. Zico demais. Se não bastasse tamanha prova de valentia e comprometimento com o evento e com seus seguidores incondicionais, ele ainda deu seu habitual show, com passes cerebais, toques sutis, lances geniais. Tudo isso limitado por uma imobilizaçõ improvisada. Sempre tentando fazer mais que o seu preparo físico atual permite. Sempre tentando fazer mais que todos da sua idade conseguem. Afinal, ele sempre conseguiu ser melhor que seus adversários. Em todos os aspectos.

Até enfiada de bola para Romário, uma de suas inimizades recentes - já resolvida, com as pazes no fim de 2009 -, Zico se encarregou de fazer. Com a mesma maestria que deixava Nunes e Cia na cara do gol nos anos 80 com a camisa rubro-negra. Ou Éder e Serginho na Copa de 82. Faltou, talvez, bater um escanteio como o que alcançou a cabeça de Rondinelli a uma altura onde os vivos não chegam, só os deuses. Da raça ou de qualquer outra denominação. Faltou, injustamente, um gol. E daí? Depois de tantos gols, um não vai fazer falta.

Por mais que os anos passe, as pessoas envelheçam, há coisas no mundo que não mudam. E jamais mudarão. Pelo simples fato de terem surgido para serem eternas. Por que Deus quis assim. E escolheu a dedo. Com merecimento, razão e justificativas de sobra. A genialidade de Zico é uma dessas coisas. Ainda bem. O futebol agradece, o esporte agradece. O mundo agradece por ter visto a cores um gênio com a bolas nos pés como se estivesse usando as mãos e todas as partes do corpo. Como se estivesse fazendo mágica. O pior é que estava, do seu jeito.

Num domingo como este, o sol não poderia aparecer com tanto fervor na cidade que melhor o acolhe. Afinal, o brilho estava concentrado com extrema intensidade num só local, no mesmo terreno de sempre. Contrastando com o verde do gramado que, por motivos políticos, desta vez foi o do Engenhão, a luminosidade que sai dos pés de Zico substitui qualquer astro, incluindo o sol. Pois o astro maior é humano. E, como de costume, não estava no céu olhando por todos. Ao contrário disto, faz todos olharem por ele. Vestindo a 10 que o veste e merece de forma perfeita, Zico fez questão de emocionar, ao menos, uma pessoa neste domingo: este que vos escreve. Mais uma para sua imensa e inesgotável coleção. Que dure para sempre essa magia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Giro pelo mundo

Contato

lucas.imbroinise@terra.com.br

Twitter: @limbroinise

Co-blog: http://boleiragemtatica.wordpress.com